Algarve. Agosto.

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Ora aqui estão duas palavras que nunca pensámos combinar na mesma frase. E se sair de casa em agosto só mesmo quando não havia alternativa (às vezes não havia mesmo), o Algarve foi um destino que nunca esteve nos nossos planos mais remotos. Prova disso foi a incredulidade na voz dos que nos são mais próximos: “Vocês vão para o Algarve? A sério?”.

Na verdade, o destino surgiu por falta de alternativas, no final de um verão em que quase não saímos de casa. Precisávamos de mar, de fugir de casa e da rotina, de conhecer sítios novos. Mas também de um destino que pudesse ser marcado praticamente à última hora, o que punha de parte qualquer viagem de avião. Contornar a rotina era também rumar a sul e não a norte, como sempre fizemos. Provar outra gastronomia, atravessar novas paisagens, mostrar aos garotos uma parte do país que desconhecem.

Mesmo assim foi com algum receio que partimos. A última viagem ao Algarve tinha sido de raspão, num pacato mês de junho, e não houve nada que nos convencesse. A tepidez das águas e a beleza de algumas praias não nos faziam esquecer os outdoors a anunciar supermercados e lojas de todo o tipo, mal se entra em território algarvio, o urbanismo caótico, o trânsito na tenebrosa N125, os resorts chiques ou populares, a rivalizarem em mau gosto e pretensiosismo. E depois ainda o que líamos ou ouvíamos: as lutas por uns parcos metros de areia livre ou um lugar de estacionamento, as filas em todo o lado, os preços inflacionados, o facto do Algarve estar na moda (alguma vez deixou de estar?), a lotação quase a 100%.

Com o misto de sorte, de pesquisa e de intuição que nos caracteriza (mais uma boa dose de sexto sentido feminino, há que puxar a brasa à sardinha de quem escreve estas linhas), dois dias depois de chegarmos já as expectativas tinham sido superadas a 300%.
O carro estacionado à porta do alojamento continuou assim durante 4 dias, enquanto a pé, de barco, de comboio, de caiaque, explorávamos as redondezas.
Praias maravilhosas só para nós e mais meia dúzia de famílias, sem vigilância, mas também sem esplanadas, sem espreguiçadeiras nem guarda-sóis de palha, sem música ou barulho de geradores, sem vendedores de pastelaria estival – “luxos” de que abdicamos com todo o gosto em troca de um luxo maior: tranquilidade e silêncio.

Uma bonita aldeia de pescadores que ao fim da tarde trazem as cadeiras para a rua, para uns dedos de conversa, onde o edifício mais alto ainda é torre da igreja, e sobre a qual alguns turistas diziam, em tom de crítica, que “não tinha nada, nenhum bar ou discoteca” – o derradeiro argumento, que nos convenceu ser este o lugar ideal.

Passeámos nas salinas ao entardecer, vendo os flamingos a chegar ou a partir. Comemos gelados deliciosos em ruas que às nove de meia da noite já estavam praticamente desertas, comprámos figos suculentos em pequenas mercearias, provámos iguarias da região em locais cheios de encanto, entrámos na água vezes sem conta. Em resumo, fizemos férias. E aprendemos que há (ainda) outro Algarve, bem melhor até do que aquele que nos é prometido nas revistas.

Se é para repetir? Duvido. Nada nos tira a saudade das praias galegas. Somos, definitivamente, pessoas com os olhos postos a norte.

 

Rostos

De vez em quando, surge um trabalho que nos obriga a sair da nossa zona de conforto.
Ainda bem, porque a ousadia de arriscar sempre foi o motor da nossa própria evolução.

Miguel Fonseca e Miguel Oliveira, da empresa EDIGMA, Braga.

Miguel Fonseca e Miguel Oliveira, da empresa EDIGMA, Braga.

Nunca me dediquei a retratos. Como fotógrafo, nunca foi por aí que quis expressar a minha linguagem criativa ou artística, porque para uma boa fotografia preciso sempre mais tempo do que aquele que acho que as pessoas têm para me dar. No fundo, do que tenho mesmo medo é de incomodar demasiado as pessoas - disso, e de que as coisas não resultem como esperado, desde logo para o próprio fotografado.

Jaime Pires, do Centro de Investigação da Montanha, IPB, Bragança.

Jaime Pires, do Centro de Investigação da Montanha, IPB, Bragança.

“Ponha-se ali, agora acolá, sorria um pouco, olhe para a luz, não fixe a câmara...” são exemplos de pedidos inerentes a qualquer sessão fotográfica de retrato, por isso, a simples ideia do “modelo” vir a pensar que ficou horroroso depois daquele massacre de poses é, para mim, verdadeiramente angustiante. Já as paisagens, as plantas, os animais, os edifícios, nunca se incomodam com a minha persistência, e muito menos se queixam se eu não consigo fazer-lhes justiça estética. Aqui, só estamos a lidar com as nossas próprias expectativas, enquanto que nos retratos já temos de ter em conta a sensibilidade dos outros – esse é o verdadeiro problema.

Jovens alunos de uma novíssima escola pública.

Jovens alunos de uma novíssima escola pública.

Mas não se pense que não gosto de fazer retratos. O meu arquivo tem exemplos de que muito me orgulho, só que a maior parte dessas imagens nasceram de algum tipo de relacionamento prévio com a pessoa em causa – uma longa conversa, uma boa vivência, uma troca de experiências – e só muito raramente de um impulso instantâneo. E tanto me fazia que fosse na China ou nos Estados Unidos... um retrato fruto de um bom contexto será sempre um bom retrato!

Diane Diyons e Lena Davis, turistas de Seattle de visita ao "renovado" Castelo de Guimarães. 

Diane Diyons e Lena Davis, turistas de Seattle de visita ao "renovado" Castelo de Guimarães. 

Infelizmente, nem sempre há tempo para criar bons contextos.
Quando a CCDR-N me convidou a fazer parte de um trio de fotógrafos para uma obra intitulada “Rostos de um novo norte” (retratos dos protagonistas e beneficiários de projetos apoiados pelo último Quadro Comunitário), fiquei naturalmente feliz... durante escassos segundos.
Logo a seguir, vieram as dúvidas, o pânico, a auto-censura: se a ousadia do risco pode ser o motor da evolução, o atalhar por caminhos pouco testados também é uma excelente forma de proclamar a nossa incompetência. Um pau de dois bicos, portanto.

Patrícia Gonçalves (Elos da Montanha), que percorre e faz marcação de trilhos no PNPG.

Patrícia Gonçalves (Elos da Montanha), que percorre e faz marcação de trilhos no PNPG.

Paulo Brandão no Salão Nobre do Theatro Circo, Braga.

Paulo Brandão no Salão Nobre do Theatro Circo, Braga.

A experiência, contudo, há de servir para alguma coisa, mesmo que se trate de um trabalho todo ele apoiado no retrato. E nesse aspeto - da experiência como fotógrafo - já não tenho desculpas, pelo que devo a mim próprio um par de bofetadas pelas angústias desnecessárias.
E assim, quase sempre com pouco tempo e sem margens para voltar a “importunar”, surgiram as imagens do livro – e deste mesmíssimo post (apenas algumas, para exemplificar).

Mesmo sem oportunidade de criar o melhor contexto, foi uma bênção poder entrar por breves momentos em tão distintos universos – aqueles que estas pessoas representam e que neles têm a sua dedicada existência: do Românico à tecnologia de ecrãs tácteis, de centros escolares à investigação da montanha, das artes plásticas aos vinhos, do teatro à conservação da natureza, do turismo ao desporto de alta competição.

Manuel Pinheiro, promotor da Rota dos Vinhos Verdes, em Arcos de Valdevez.

Manuel Pinheiro, promotor da Rota dos Vinhos Verdes, em Arcos de Valdevez.

E se a história deste livro se resume a pessoas que ousaram trilhar novos caminhos, que razões teria eu para não enfrentar o desafio do retrato?

Afinal, a capa com o espelho faz todo o sentido!

 

 

ROSTOS DE UN NOVO NORTE | CCDR-N
Fotografia:
António Sá | Claude Médale | Egídio Santos
Coordenação editorial: Vítor Devesa
Equipa Técnica: Ana Magalhães | Dora Barros
Design: Atelier João Borges