E tudo começou com a fotografia...

Bétula: passeios e alojamento finalmente juntos.

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As primeiras vezes que viemos ao Nordeste Transmontano, procurávamos paisagens que nos enchessem a alma.

Aos poucos, após uma e outra visita, as diferentes estações do ano encarregaram-se de cumprir o que a região havia prometido desde o primeiro momento: bosques fantásticos, rios de águas transparentes, flores silvestres, cores de outono, um corço aqui, uma raposa acolá, veados no final do verão e, uns meses depois, a neve. Não me ocorre retrato natural mais apetecível neste país.

O crepúsculo, os faróis do carro e uma perspetiva fora do eixo do caminho.

O crepúsculo, os faróis do carro e uma perspetiva fora do eixo do caminho.

A fotografia que registou as primeiras visitas, na época ainda amadora, logo se tornou profissional; de seguida vieram as reportagens, os workshops, os passeios fotográficos e as escapadas em família, sempre que havia tempo livre. Trás-os-Montes tornou-se um vício: quanto mais tínhamos, mais queríamos. E Trás-os-Montes correspondia. Sempre.

O “anjo da floresta” que encontrei na serra da Nogueira.

O “anjo da floresta” que encontrei na serra da Nogueira.

Amoras silvestres num bosque de bétulas.

Amoras silvestres num bosque de bétulas.

…E folhas geladas na orla de um carvalhal.

…E folhas geladas na orla de um carvalhal.

Um dia, confessei ao diretor de uma revista: “tantas vezes lá vou, que acabarei por ficar”. E assim foi.
Fizemos as malas e instalámo-nos com vista para um lameiro e um belo carvalhal.
O tempo passou, as crianças cresceram, os passeios fotográficos transformaram-se em tours personalizados, que batizámos de Bétula.

Um velho conhecido durante um Bétula Tour neste outono.

Um velho conhecido durante um Bétula Tour neste outono.

Entretanto, começou também a nascer a ideia de alojar quem visitasse a região. E eis-nos chegados aqui, aos Bétula Studios. Este foi o primeiro outono em que pudemos alojar pessoas que desejam as mesmas coisas que nós procurávamos no início dos anos 90... e que agora temos mesmo à frente da janela, ou um pouco mais adiante.

You know what I mean?

You know what I mean?

No verão, colocamos um toldo sobre as varandas. © Aníbal Marques.

No verão, colocamos um toldo sobre as varandas. © Aníbal Marques.

Um belo amanhecer, captado por um dos primeiros hóspedes. © Aníbal Marques.

Um belo amanhecer, captado por um dos primeiros hóspedes. © Aníbal Marques.

Os primeiros a chegar foram estrangeiros. Gostaram do silêncio e dos pios eufóricos dos estorninhos que pousavam em bando frente ao estúdio, logo ao amanhecer. De sentar-se no deck a beber uma cerveja e a olhar a paisagem; de sair de manhã cedo para caminhadas que duravam quase o dia inteiro. Vieram depois alguns fotógrafos, velhos conhecidos em busca das cores de outono... esse filão de imagens que a estação oferece aqui no Nordeste, e de que não me canso de falar.

Cá estão os estorninhos, mesmo em frente à nossa casa e aos estúdios.

Cá estão os estorninhos, mesmo em frente à nossa casa e aos estúdios.

E mais um fotógrafo, durante outro Bétula tour no passado mês de novembro.

E mais um fotógrafo, durante outro Bétula tour no passado mês de novembro.

Houve saídas de campo logo pela manhã, corços nos caminhos e no horizonte, soutos e carvalhais, prados de altitude, cogumelos às centenas, rios rápidos com a corrente sempre a crescer. Houve até neve nas zonas mais altas.
Há uns dias, fui levar o rapaz à escola. Parei junto ao rio Fervença e espreitei as águas... Vi quatro lontras que nadavam e brincavam pouco abaixo dos meus pés. Foi a melhor observação que alguma vez tive desta espécie em espaço natural... bem no centro de Bragança, quem diria?
Ontem, enquanto tomava um café, vi um corço mesmo em frente à janela da cozinha.
Hoje, fui dar um passeio pelos trilhos da aldeia com um casal que veio de Madrid. O bosque a pairar nas nuvens, que inundavam todos os vales abaixo; líquenes a enfeitar cada ramo dos carvalhos; cogumelos a espreitar do manto húmido de folhas; mais abaixo no caminho, o murmurar do ribeiro que agora corre rápido entre os choupos; e depois, um breve olá à dona Lúcia e à dona Eugénia, já a subir a rua de regresso a casa.

Continua a ser muito bom estar aqui.
Cá vos esperamos!

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Os Bétula Studios e o bosque durante um nevão. Imagina-se acordar aqui?

Os Bétula Studios e o bosque durante um nevão. Imagina-se acordar aqui?


Simplicidade e imperfeição

Na parede do meu escritório tenho afixado um postalinho de fundo azul onde se lê: “Simple is Beautiful.” Olho para ele todos os dias... só para não me esquecer.

Lago Khövsgöl, Mongólia. Esta imagem vive de 3 aspetos fundamentais, que nada têm a ver com tecnologia. 1- Luz: baixa e suave, de fim de tarde, projetando sombras mais longas e conferindo relevo aos objetos. 2- Perspetiva: rente ao solo e muito próx…

Lago Khövsgöl, Mongólia. Esta imagem vive de 3 aspetos fundamentais, que nada têm a ver com tecnologia. 1- Luz: baixa e suave, de fim de tarde, projetando sombras mais longas e conferindo relevo aos objetos. 2- Perspetiva: rente ao solo e muito próxima da árvore para tirar partido da grande angular extrema, produzindo um efeito mais dinâmico. 3- Composição: raízes a entrar no fotograma pelo canto inferior esquerdo e progredindo na diagonal em direção à linha do horizonte, a 2/3 do topo da imagem. Só vi esta fotografia 4 meses após a captação, por isso tive de confiar no sentido estético e no domínio técnico: o diapositivo é muito pouco tolerante a erros de exposição e eram os slides originais que seguiam para as revistas: não havia Photoshop!

Falando de simplicidade: onde está, afinal, o fotógrafo?
Com a tecnologia no estado em que está, as verdadeiras ferramentas que temos para afirmar a nossa qualidade enquanto fotógrafos são, afinal, as mesmas que nos definem e distinguem enquanto indivíduos. A curiosidade, o sentido de observação, a sensibilidade artística, a consciência da nossa identidade expressam-se, em fotografia, através da noção da qualidade da luz, da escolha da composição, da busca da perspetiva e da perceção do momento correto para pressionar o botão disparador – chamo a isto os 4 os pilares fundamentais da arte fotográfica... curiosamente, nenhum deles selecionável nos menus das câmaras, por mais sofisticadas que estas sejam. A técnica – seja na captação ou na pós-produção – é igual para todos, e qualquer fotógrafo pode aprendê-la até atingir um bom nível (mais livro, menos livro; mais workshop, menos workshop, mais cedo ou mais tarde)! Já a estética, meus amigos, essa está com cada um de nós e não é passível de ser ensinada... apenas temos de aprender a respeitar as ferramentas que nasceram e evoluíram connosco: olhos, cérebro e coração.

Processador e software de pós-produção: como “plastificar” uma foto em 2 passos
A tecnologia digital trouxe vantagens inquestionáveis à fotografia. Se dúvidas houvesse, bastaria apontar a facilidade com que alternamos o ISO ou passamos do modo cor para monocromático em fotogramas sequenciais; ou ainda o simples facto de podermos rever uma imagem imediatamente após a sua captação e proceder às desejáveis correções enquanto no local.
No entanto, certas benesses digitais trazem frequentemente um reverso que deve ser evitado a todo custo, principalmente quando o tema é natureza: a cosmética exagerada, a “plastificação” da realidade, um refinamento que, em muitos casos, atraiçoa a essência natural do nosso objeto fotográfico. Falo de aspetos como a manipulação exagerada da nitidez, do contraste ou da cor, a remoção sistemática daquilo que consideramos serem intrusões visuais, etc. Tudo isto é muito subjetivo, bem sei, mas no que diz respeito à fotografia da natureza, o melhor é ser... natural!

Papoilas, Lagomar, Bragança. As papoilas têm uma cor muito específica; qualquer desvio cromático, por pequeno que seja, dá cabo delas. Aferir um correto equilíbrio de brancos e escolher um modo de cor natural ou “standard”, enquanto estamos em campo…

Papoilas, Lagomar, Bragança. As papoilas têm uma cor muito específica; qualquer desvio cromático, por pequeno que seja, dá cabo delas. Aferir um correto equilíbrio de brancos e escolher um modo de cor natural ou “standard”, enquanto estamos em campo, é crucial para obtermos um registo relativamente fiel. Em casa trabalhamos de memória e é aí, com o Photoshop ou o Lightroom nas mãos, que fazemos asneiras: saturação exagerada ou dominantes cromáticas perversas. Quanto à estética desta foto… a vegetação está particularmente desorganizada e só a papoila do centro está focada (embora tenha sido captada com uma 20-35mm, abri bastante o diafragma). Mas a natureza é mesmo assim: desgrenhada e espontânea.

Não ceder à ditadura do equipamento
Sempre repudiei a ideia de que as melhores câmaras fazem as melhores fotografias. Não nego que seja necessário subir de patamar ou de segmento – e consequentemente de preço – se quisermos garantir a fiabilidade do obturador ou uma boa resistência aos elementos e aos impactos, entre muitos outros aspetos, mas daí até acharmos que uma câmara melhor garante imagens melhores, vai uma grande distância. As câmaras profissionais - complexas, volumosas e pesadas – têm muito pouco a oferecer no que toca à nossa disponibilidade física e mental para fotografar, principalmente na natureza, onde já nos basta ter de lidar com o frio, a chuva, os desníveis do terreno ou o calor.
De resto, se o nosso estilo dispensar as potentes teleobjetivas, existem no mercado inúmeras câmaras verdadeiramente extraordinárias, de pequeno formato e preço, que são perfeitamente compatíveis com a nossa imensa criatividade!

Lago Jökulsárlón, Islândia. Esta fotografia foi captada com uma câmara compacta Fujifilm X10. O pequeno sensor de apenas 2/3’’ consegue uma profundidade de campo espantosa mesmo a grandes aberturas e a curtíssimas distâncias do objeto em primeiro pl…

Lago Jökulsárlón, Islândia. Esta fotografia foi captada com uma câmara compacta Fujifilm X10. O pequeno sensor de apenas 2/3’’ consegue uma profundidade de campo espantosa mesmo a grandes aberturas e a curtíssimas distâncias do objeto em primeiro plano (foi utilizado o modo macro para focar no bloco de gelo). Por outro lado, como não tem espelho, evita vibrações durante o disparo - mesmo com velocidades lentas - e possibilita a utilização de um ISO baixo. Com uma reflex, dificilmente conseguia o mesmo resultado de forma tão fácil e rápida. E desenganem-se os que pensam que esta foto só funciona em ecrã: tenho a respetiva impressão em formato A2 exposta em casa.

Landmannalaugar, Islândia. Na minha quarta deslocação ao país, desta vez a viajar em família, resolvi levar apenas uma Fujifilm X10. Com um zoom 28-112mm (equiv. em 35mm) f2.8, esta pequena câmara revelou-se muito versátil. Quando estamos a acampar,…

Landmannalaugar, Islândia. Na minha quarta deslocação ao país, desta vez a viajar em família, resolvi levar apenas uma Fujifilm X10. Com um zoom 28-112mm (equiv. em 35mm) f2.8, esta pequena câmara revelou-se muito versátil. Quando estamos a acampar, a percorrer a paisagem a pé e queremos partilhar todas as vivências com o resto da família, a simplicidade e a leveza do equipamento fotográfico são cruciais para uma experiência em pleno. E se aparecerem oportunidades para grandes teleobjetivas? Bem, como não as trouxe, não vale a pena pensar no assunto… olha-se para todas as outras possibilidades!

O drama das modas
Bem sei que nós, humanos, somos animais sociais. Mas as ovelhas também o são. No entanto, não devemos fotografar como ovelhas, sobretudo se quisermos fazer alguma coisa de jeito em fotografia. E, digo-vos sinceramente, nunca houve tanta gente a fotografar como ovelhas: os mesmos temas, as mesmas técnicas, os mesmos sítios, as mesmas perspetivas... até ao limite da paciência. Onde está o sentido crítico destes fotógrafos? Ou, perguntando melhor, onde está o fotógrafo nestas pessoas? Uma vez, vi num filme alguém que batia com o punho na cabeça de outra pessoa, como se bate numa porta, e perguntava: Está alguém aí? E é isso mesmo que me apetece fazer quando vejo imagens como as que reproduzo abaixo, sabiamente compiladas na conta Insta_repeat do Instagram. Vão até lá e vejam no que nos estamos a tornar.

insta_repeat, Instagram. Vejo esta compilação como uma excelente vacina para todos aqueles que já sofrem com esta epidemia de repetições. Pode pensar-se que se trata apenas de amadores munidos de telemóvel, mas garanto-vos que também não faltam prof…

insta_repeat, Instagram. Vejo esta compilação como uma excelente vacina para todos aqueles que já sofrem com esta epidemia de repetições. Pode pensar-se que se trata apenas de amadores munidos de telemóvel, mas garanto-vos que também não faltam profissionais com câmaras topo de gama. E as fotos com drones? Com tanto espaço aéreo, nem aí conseguem fazer diferente. Pessoalmente, prefiro a originalidade de uma imagem imperfeita à sofisticação de uma ideia recalcada centenas de vezes.

Forma e conteúdo: fotografamos para nós ou para os outros?
O que é uma boa foto? Para mim, é simplesmente uma imagem que nos tenha dado prazer a captar e que nos dê prazer a rever. E as razões podem ser muito diversas: porque há uma bela história por trás, porque nos identificamos com aquela luz, com as cores, com aquilo que lá está representado, seja uma memória distante da nossa infância ou o corço que finalmente apareceu após esperarmos um dia inteiro num abrigo. Se formos fiéis ao nosso instinto, à nossa identidade, à nossa perceção, então estamos no caminho certo para captar boas fotografias. Claro que isto não basta, se não soubermos também acompanhar o processo com uma boa dose de cultura visual ou estética – que é aquilo que nos ajuda a situar no mundo da arte fotográfica.

Gansos-bravos, Thingvellir, Islândia. As ideias mais simples são frequentemente as melhores. Desde miúdo que guardo um livro intitulado “Os Mais Belos Contos de Fadas”, que também inclui várias fábulas, na sua maioria da autoria dos irmãos Grimm. Es…

Gansos-bravos, Thingvellir, Islândia. As ideias mais simples são frequentemente as melhores. Desde miúdo que guardo um livro intitulado “Os Mais Belos Contos de Fadas”, que também inclui várias fábulas, na sua maioria da autoria dos irmãos Grimm. Este livro tem ilustrações fantásticas e foi precisamente isso que me veio à memória quando vi esta cena de uma família de gansos. Foi fotografada com uma compacta e a minha filha estava comigo a fazer o mesmo. O fotógrafo alemão Gerd Ludwig fez uma bela reportagem sobre os irmãos Grimm, para a National Geographic, onde aproxima a sua fotografia de todo este imaginário.

Patos Eider, Islândia. Esta fotografia encerra duas histórias incríveis. Os patos eider, em primeiro plano, estão na origem dos edredões e na génese da própria palavra: eider + down (penugem) = eiderdown. Após as crias abandonarem o ninho, os island…

Patos Eider, Islândia. Esta fotografia encerra duas histórias incríveis. Os patos eider, em primeiro plano, estão na origem dos edredões e na génese da própria palavra: eider + down (penugem) = eiderdown. Após as crias abandonarem o ninho, os islandeses recolhiam a penugem extremamente quente que lá ficava e assim enchiam roupa de cama e almofadas. As aves que se veem mais atrás são andorinhas-do-mar-do-ártico; com apenas 100 gramas, é o ser vivo que faz a maior viagem de migração: mais de 70.000Km por ano entre o Ártico e a Antártida e de volta ao Ártico. Não preciso de mais nada para gostar desta imagem.

Cultura visual e aceitação da imperfeição
Nós não somos perfeitos. As câmaras fotográficas e as objetivas não são perfeitas. A natureza não é perfeita – pelo menos no sentido que tantas vezes os fotógrafos procuram que seja. As árvores nem sempre estão bem penteadas, os cogumelos trazem terra e raminhos nos seus chapéus (porque brotam do solo e erguem com eles o que lá está), há aves que ficam tremidas ou “demasiado” distantes, e focagens que não o são. Tudo isto é “imperfeito”. Tudo isto pode ser belo!
A melhor forma de percebermos o que é aceitável e o que deve ser descartado é aumentando a nossa cultura visual, tentando conhecer a diversidade de discursos estéticos e estilos de fotógrafos conceituados. Podemos não gostar, mas ficamos a conhecer. Sabemos que existe aquela forma de ver o mundo... aprendemos a questioná-la, a viver com ela. Confrontamos, somos confrontados e percebemos melhor onde nos situamos. Ver em quantidade. Ver em diversidade. Só então estaremos preparados para aceitar a imperfeição como expressão possível da nossa sensibilidade.
Simples, não?

Amanhecer, Salreu. Quando tinha 18 anos e pouco dinheiro no bolso, ponderava longamente antes de fazer uma fotografia. Um dia, ao amanhecer, cheguei a uma dessas boas conclusões e captei uma imagem “especialmente bem desfocada” e com uma enorme vinh…

Amanhecer, Salreu. Quando tinha 18 anos e pouco dinheiro no bolso, ponderava longamente antes de fazer uma fotografia. Um dia, ao amanhecer, cheguei a uma dessas boas conclusões e captei uma imagem “especialmente bem desfocada” e com uma enorme vinhetagem. Permanece até hoje uma das minhas preferidas.