Ode ao inverno

Todos os invernos regresso a Sanábria.
Ou talvez sejam os invernos de Sanábria que regressam a mim.

Há algo de profundamente belo naquelas montanhas. Como se a alma dos glaciares há milhares de anos desaparecidos perdurasse no vento gélido que varre as encostas - e em toda a neve que as transfigura da noite para o dia.
Atravessar a brancura com vento forte e o gelo a fustigar a cara é uma boa forma de sentirmos na pele este pedaço de norte, que nalguns dias parece querer imitar o ártico. Não se percebe onde acaba a montanha e começa o céu; é tudo um grande lençol indistinto, sem sombras nem escala, sem tempo nem distância. Uma redoma invisível, capaz de nos isolar do resto do mundo mesmo quando estamos acompanhados. Ou assim o sinto.

Mais abaixo, no fundo do vale, o lago.
É o testemunho líquido da antiga massa de gelo, mas com um temperamento mais inconstante, ditado pela ventisca, a corrente de ar lancinante que tem o raro dom de poder soprar na vertical... ou quase.
Em dias assim, as ondas encrespadas estalam repetidamente nos amieiros e no granito da praia, antes de serenarem na fluidez do Tera, que se escapa daqui num murmúrio distante, abafado pelos carvalhais.

Em ambas as margens acompanham-no quase sempre caminhos, talhados no solo por pescadores, pastores ou mais pesados tratores. E neles surgem ervas despenteadas, poças encharcadas e tufos de cristas douradas. 

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E depois disto, as aldeias: escassas, desertas, ligadas por estradas ainda mais escassas e mais desertas. E tanto pior quando os aguaceiros de inverno se abatem nestas terras... como em San Ciprián, no final do caminho. Ou em Escuredo, a meio caminho de lado nenhum. Os dois últimos habitantes abandonaram-na há igual número de anos. Ficou um gato, que guardei em fotos. 
Estrada fora, já do outro lado da montanha, Truchilas segue-lhe a sina. E mais adiante será Truchas, onde a gasolinera serve agora de bar, loja e centro social.

Tomo um solo, corto, bem quente. Quatro homens jogam às cartas.
Parte da estrada tinha neve. E está frio lá fora. Ninguém sabe se se passa para Ponferrada. O limpa-neves já não passa aí. E as ruas estão vazias. E a reta para Castrocontrigo também.
Parece um filme, algures entre a poesia de Malick e o insólito dos Coen.

É o Inverno em Sanábria.
Como se num sonho eu vagueasse.

Adenda: No início de fevereiro, levei um grupo de fotógrafos para conhecerem a região. O seu olhar sobre a região pode ser visto aqui.